21 de jun. de 2011

Entrevista: Kelen Tabone, cineasta

Por Carolina Campos, José Roberto Pessoto e Roberta Chamorro

O cinema iraniano tem prosperado e muitos diretores têm recebido reconhecimento mundial por seu trabalho - ganharam mais de três centenas de prêmios nos últimos 25 anos. Em 2004, a cineasta brasileira Kelen Tabone visitou o Irã, com a finalidade de conhecer de perto o país, sua cultura e principalmente o cinema daquele país.

A cineasta Kelen Tabone e o diretor Abbas Kiarostami
(Arquivo pessoal)

Agência Hipertexto: O que a motivou a conhecer mais de perto o cinema iraniano?

Tabone: Eu nunca consigo formular uma resposta objetiva, pois sempre foi uma paixão na minha vida. Eu mais sinto do que racionalizo. Encontrei na cinematografia iraniana pressupostos que não conseguia encontrar em outro cinema. No ano de 2000, Bahman Ghobadi e Jafar Panahi vieram para o Brasil apresentar seus trabalhos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Durante a exibição de “Tempo de embebedar cavalos”, eu pensei: ‘Tenho que conhecer esse país. Será que o que ele mostra corresponde com a realidade dessas pessoas?’ Após a exibição, houve um debate com os diretores e, por sorte, meu amigo Paivand Ahmad estava traduzindo. Quando acabou, eu e minha amiga Natali Zarth fomos falar com ele e dissemos que queríamos muito conhecer seu país. Ele nos convidou então para conhecermos. Mantivemos contato desde então, e em 2004 tive a oportunidade de ir.

Agência Hipertexto: O que você fez lá?

Tabone: Fui convidada pelo então embaixador do Brasil no Irã, Cesário Melantônio, para colaborar com a relação entre a cultura dos dois países. Tive a oportunidade de trabalhar com o Bahmanh Ghobadi na edição do making of de seu filme “Tartarugas podem voar”.

Agência Hipertexto: Aqui no Brasil você mantém relação com o cinema iraniano?

Tabone: Sim, realizo pesquisa sobre os não-atores no cinema iraniano e conto com o apoio da Fapesp para realizar esse trabalho.

Agência Hipertexto: O que são os não-atores?

Tabone: É um tipo de cinema realizado após a Revolução Islâmica de 1979. Usa pessoas comuns que representam, muitas vezes, seu próprio papel. Os temas desses filmes são muito próximos do cotidiano dessas pessoas, tornando-os muito parecidos com documentários. Isso acontece porque, antes da revolução islâmica, os filmes que eram exibidos não se enquadravam na moral islâmica e, após o governo do Irã se tornar um país onde a religião e o Estado compreendem uma só esfera da sociedade, os temas e os atores tiveram que se enquadrar nessa moral. Isso não quer dizer que eles não trabalhem com atores profissionais, mas esses filmes são comerciais e são exibidos apenas nacionalmente.

Agência Hipertexto: Qual tipo de cinema faz mais sucesso no Irã?

Tabone: As pessoas preferem os filmes mais comerciais, que visam o entretenimento, em detrimento ao filme de arte, que muitas vezes joga com o espectador e o tira de sua passividade. Lá no Irã, o único divertimento da população é o cinema, o teatro, os piqueniques e as casas de chá. Por isso o cinema é considerado uma forma de divertimento de massa. Então essa cinematografia se torna muito dividida entre cinema de arte e cinema comercial. Porém, o cinema de arte tem um alcance internacional maior, por causa dos festivais internacionais.

Agência Hipertexto: Há influência do cinema hollywoodiano no Irã?

Tabone: Antes da revolução, os filmes eram todos baseados ou até mesmo copiavam os filmes americanos. Após a revolução, esse tipo de filme foi banido das telas, dando lugar ao cinema que corresponde à moral islâmica. Mas os filmes hollywoodianos continuam inspirando os diretores comerciais.

Agência Hipertexto: O Irã deixa entrar filmes estrangeiros no país?

Tabone: Uma forma de censura que contribuiu para que os filmes estrangeiros e mesmo aqueles produzidos na época do Xá pudessem ser exibidos em uma sociedade islâmica foi o uso da ‘marca mágica’, um método de censura em que eles pintavam sobre pernas descobertas e outras partes expostas do corpo. Quando este método não funcionava, eles cortavam os trechos dos filmes que feriam a moral e os valores islâmicos. Estes cortes existem até hoje. Muitos são os filmes estrangeiros exibidos tanto no cinema quanto na TV iraniana e tais filmes passam por um rígido controle antes de chegar ao público. Algumas cenas que são cortadas são as de beijo, homem e mulher se tocando, deitados na mesma cama, entre outros.

Agência Hipertexto: Você falou sobre a censura nos filmes estrangeiros. Como funciona essa censura para os filmes iranianos?

Tabone: Até os dias de hoje o projeto de um filme, para ser produzido e exibido, passa por diversos estágios de censura. No primeiro estágio, a sinopse é avaliada. Depois, o roteiro deve ser aprovado por um conselho, devendo estar de acordo com os preceitos morais islâmicos. No terceiro estágio, a lista dos técnicos e dos atores deve ser aprovada. O filme já pronto é mandado ao Conselho de Censura do Governo, o qual aprova, exige mudanças para a liberação ou proíbe totalmente. Se aprovado, os produtores recebem permissão de exibição, com a avaliação de A, B, C ou D, que determina o acesso à mídia, como a definição se pode ou não ser comercializado para a TV e em qual cinema poderá ser exibido. Vale ressaltar que os equipamentos para filmagens são propriedade do governo, então, se o cineasta não consegue autorização para filmar, ele não consegue filmar nem escondido, a não ser com os equipamentos digitais, pois as câmeras de cinema não são emprestadas para aqueles que não têm autorização.

Agência Hipertexto: Os atores e diretores do cinema iraniano atuam somente no Irã? O governo concede essa autorização para trabalharem em outros países?

Tabone: Os atos de censura não se limitam somente à produção cinematográfica, mas interferem na vida de atores e diretores que passaram a ter que pedir autorização para deixar o país, com o intuito de participar de festivais internacionais ou até mesmo de produções estrangeiras. Um claro exemplo foi o incidente ocorrido com a jovem atriz Golshifiteh Farahani, consagrada no Irã e que participou do filme “Rede de Mentiras” (“Body of Lies”, 2008), de Ridley Scott. As autoridades iranianas ficaram insatisfeitas por ela ter participado do filme e se enfureceram ainda mais quando a viram, através de vídeos na Internet, sem o hijab (vestuário islâmico) na première em Nova York. Quando Golshifiteh chegou ao Irã, teve seu passaporte confiscado, ficou impedida de deixar o país, até mesmo para participar de festivais internacionais, inclusive no Brasil. Até que foi obrigada a deixar casa, família, amigos e carreira, ao fugir do Irã e ir para a França, onde vive atualmente. O diretor Abbas Kiarostami acabou de produzir um filme de produção francesa e italiana, que se chama “Cópia Fiel” e é estrelado pela atriz Juliette Binoche. Ele é um diretor de muito sucesso internacional e é considerado um dos mestres do cinema iraniano, que realiza filmes que se enquadram nessa categoria do cinema de arte. Outro diretor que está fazendo filme fora do país, na Turquia, é Bahman Ghobadi, que foi exilado do país após realizar um filme sobre a música underground iraniana (proibida pelo governo). Nessa produção ele filma com a atriz Monica Bellucci.

Agência Hipertexto: Para finalizar, quais filmes iranianos você recomenda assistir?

Tabone: São poucos os filmes lançados no Brasil, mas em videolocadoras grandes é possível encontrar alguns deles e também a Mostra Internacional de Cinema é uma ótima oportunidade para assisti-los. Filmes como “Filhos do paraíso”, “O balão branco”, “A cor do paraíso”, “Dez” e “Tartarugas podem voar” são facilmente encontrados. Um filme que só foi lançado em VHS, mas merece ser visto, é “A maçã”, da Samira Makhmalbaf.

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