16 de dez. de 2011

Entrevista: Marisa Furtado - curadora da exposição “O Espírito vivo de Will Eisner”

Por Walace Toledo

A carioca Marisa Furtado de Oliveira conheceu Will Eisner quando trabalhou como chefe de relações internacionais da primeira Bienal Internacional de Quadrinhos no Rio de Janeiro, em 1991. Os anos passaram, e a amizade com o artista e família continuaram. O lado cineasta de Marisa deu vida ao documentário “Will Eisner – Profissão Cartunista” (1999). Infelizmente, Eisner morreu em 2004 sem ver a nova versão editada para o público norte-americano. Em 2011, surgiu uma nova oportunidade de mostrar o trabalho do cartunista, agora como curadora da exposição “O Espírito de Will Eisner”. Marisa nos conta como foi o processo de realização.

"Eu também fui mordida por este gênio de grande humor e simpatia", 
diz Marisa Furtado
Arquivo pessoal




Agência Hipertexto: Como nasceu o projeto “O Espírito vivo de Will Eisner?

Furtado: Na verdade, a iniciativa desta exposição foi de Roberto Ribeiro, diretor do Rio Comicon, onde venho trabalhando como curadora pela Mostra de Filmes que  tenho produzido nas duas últimas edições do festival. Como trabalhamos juntos e tenho experiência internacional, ajudo o Roberto a formalizar os convites aos cartunistas estrangeiros e, para esta edição, eu sugeri o nome de Denis Kitchen, que é um atuante cartunista do mercado independente norte-americano, com grande influência naquele mercado. Achei que sua vinda ajudaria a consolidar o status do Festival Carioca nos Estados Unidos. Como o Denis é também gerente do espólio de Eisner, e acabara de organizar uma exposição dele em NY, Roberto, que é um visionário, me provocou e disse que o Denis só poderia vir como convidado se trouxesse uma exposição do Eisner, e assim nasceu o projeto da exposição brasileira.

Agência Hipertexto: Como o Brasil se tornou importante em relação à obra e ao próprio Eisner?

Furtado: O Brasil foi o primeiro país estrangeiro a publicar os quadrinhos de Eisner, na década de 40, pela Gibi, e isso influenciou artistas de grande porte, como o Maurício de Souza e Ziraldo. Estes por sua vez influenciaram muitos outros e isso criou um círculo virtuoso que segue num crescente contínuo. É a primeira vez que os originais de Eisner vêm ao país. O autor, que é considerado um dos mais influentes cartunistas do mundo, tem uma grande afinidade com o Brasil, a tal ponto que intriga até mesmo seus familiares. Ano passado, dois livros dele foram adotados pelas bibliotecas públicas brasileiras para o ensino fundamental, e isso foi bastante festejado pela família, que se pergunta o porquê de termos tanta paixão pelo trabalho do cartunista.

Agência Hipertexto: Quais os passos para uma exposição prender o público e ser relevante?

Furtado: Acredito que uma boa exposição deve ser uma passagem que afeta as pessoas de forma que as façam pensar e refletir, e que seja como um banho numa cachoeira, que após passar por ali você se sinta alterado, refrescado, como um portal, de onde após cruzá-lo nunca mais será o mesmo. Minha intenção com esta exposição foi a de poder trazer Eisner para perto do expectador, dar noções de seu processo criativo, de sua visão de mundo, de sua vida, que aparece tantas vezes retratada ali, de sua maestria em narrar e de mostrar seu incrível e belo traço. Eu também fui mordida por este gênio de grande humor e simpatia, por isso aproveitei o projeto da exposição para propagar seus ensinamentos e criei dois projetos paralelos à exposição, onde alunos de quatro universidades e um curso de desenho de quadrinhos pesquisaram a obra de Eisner, sua paleta de cores, seus temas favoritos e sua maneira de traçar, para pintar em grafite paredes da exposição e o cenário que abriga a estátua do Spirit.

Agência Hipertexto: Entre as 106 peças expostas, algumas mostram uma fase artística mais madura. Quais demostram esta fase?

Furtado: A partir de uma determinada época de sua vida, quando Eisner já tinha alcançado reconhecimento internacional como cartunista, ele começou a almejar um trabalho mais duradouro e com mais qualidade artística. Daí vieram as gravuras e da mesma época foi a iniciativa de fazer uma escultura. Por isso dediquei um espaço especial às gravuras que foram feitas em técnica de silkscreen em papel de qualidade baseadas em páginas de suas histórias. Entre elas está um precioso original (o mais valioso da exposição – a página original da P´gell de 1947 feito a lápis). E outro espaço foi construído para a estátua do Spirit, que foi a materialização de um projeto de Eisner que eu ajudei a concretizar. Neste cenário trabalhamos, eu e os alunos da Impacto Quadrinhos do Rio, mais a Bárbara Tavares, minha assistente em cenografia, 120 horas, desenhando com lápis e caneta, aguada e pincel como o nosso Mestre Will nos ensinou através de seus livros e de papos que eu tive com ele. Foram horas maravilhosas, talvez as melhores em toda a produção. A Bárbara foi apelidada de Shadow Girl, por conta das incríveis sombras que desenhou no cenário e os meninos estão agora criando uma HQ cujo personagem principal é ela. Foi muito inspirador.

Agência Hipertexto: A resposta do público está favorável?

Furtado: Tenho acompanhado pelo pessoal do Centro Cultural São Paulo e das inúmeras matérias que estão sendo escritas em blogs, jornais e TVs. E por todo mundo que tem me procurado também, acho que é um grande sucesso, mesmo para aqueles que não são familiarizados com o tema, acabam aprendendo um pouco com ele e sobre ele.

Agência Hipertexto: A exposição finaliza as comemorações de 20 anos da Gibiteca Henfil. Após 18 de dezembro, continuará percorrendo outros centros culturais?

Furtado: Gostaríamos muito que isso pudesse acontecer, mas até aqui a única perspectiva que temos é a de que esta será a última oportunidade para se ver esta exposição, até porque os originais estão sendo vendidos. Uma das histórias do Spirit já está vendida para um colecionador Belga e quase não veio por conta disso.  As pessoas têm que saber que trabalhos deste tipo estão em franca extinção porque hoje os desenhos são feitos em computador e não há mais originais. E também não há instituições que se dediquem a preservá-los, mesmo no caso do Eisner, o que dirá aqui no Brasil para HQs de artistas nacionais. Se a família não consegue preservar de forma adequada, isso se perde em pouco tempo. Portanto, recomendo a quem puder não deixar de ir ver antes que acabe, respire fundo, fotografe (está autorizado) e aproveite muito, pois é uma oportunidade única!

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