25 de ago. de 2011

O jeito certo de falar

Por Renata Di Nizo




Renata Di Nizo é escritora, palestrante e sócia fundadora da Casa da Comunicação

Um livro didático para jovens e adultos, distribuído pelo MEC, deu o que falar a e reacendeu a velha e boa discussão do que é o jeito certo de falar - sem resvalar em preconceito. Cabe à escola elucidar as diferenças entre o registro oral e escrito. Mas como o professor deve lidar em sala de aula com “a gente vamos”? Embora seja fácil constatar que não existe uma única forma 'certa' de falar, a escola é responsável por ensinar novos registros . E mais: a regra de ouro é a adequação - saber usar o registro certo a cada nova situação.

Vamos imaginar que, chegando a uma tribo na África (ou, até mesmo, no sertão do Brasil), sejamos convidados a almoçar na casa de alguém. Aí você percebe que as pessoas comem com as mãos. Como lidar com esta saia justa? Imaginemos agora o inverso: que o jovem desta tribo venha nos visitar numa grande metrópole. Ele estaria preparado para comer com talheres? Então, aprender outros costumes e ampliar o leque de respostas/possibilidades, certamente, é um dos papéis cruciais de nossas escolas.


Uma questão de princípio

Muitas são as virtudes que devem orientar a Educação e o trabalho em sala de aula. Uma delas é a justiça. Para o filósofo Yves La Talle (2006), ela inspira dois princípios: igualdade (todos os seres, dotados do mesmo valor intrínseco, não devem usufruir de privilégios) e equidade (tornar iguais os diferentes). É admitir as diferenças, aceitando a identidade e liberdade individuais para, no final, alcançar a igualdade entre os seres humanos.

Cada indivíduo, dentro de um contexto socioeconômico e cultural, preserva crenças e uma história de vida únicas. Conviver em uma cultura plural implica, portanto, lidar com o diverso. Assim, a singularidade de todo aluno deve ser respeitada.

É verdade, porém, que a escola também tem o dever de capacitar o aluno a que possa ascender socialmente. Isto significa ser capaz de usar outros registros e saber a hora certa de fazê-lo. Em casa, o aluno poderá continuar se expressando da forma familiar, mas na escola será convidado a aprender novas formas de expressão.


O jeito de se expressar

Além da inteligência linguística, outras características são fundamentais: o modo de o corpo falar, a entonação da voz, a habilidade de focar (atenção concentrada), de modular as emoções e, por fim, mas não menos importante (e quase sempre relegada ao esquecimento), a aptidão criativa. Afinal, todo ser humano tem uma maneira própria de se expressar.

Resta ainda dizer que algumas pessoas falam muito (às vezes, até de maneira descontrolada ou excessiva) e não demonstram nenhum sinal de constrangimento ao interagir com um grande público. Outras, ao contrário, mais retraídas, se inibem inclusive com seus colegas na sala de aula. Dito de outra forma, a maneira de se expressar também conta muito. Falar demais ou de menos, é o mesmo que andar na contramão. Tanto a prolixidade como o hábito da omissão são geradores de limites decisivos em algumas situações. Não adianta despejar sobre o outro, as grandes ideias atreladas umas às outras, porque ninguém está disposto a elucubrar. Tampouco adianta morrer na praia com ideias geniais enfiadas no bolso.

Em ambos casos, é primordial favorecer o domínio de si: enquanto as pessoas mais extrovertidas deverão aprender tanto a acalmar, quanto a focar a mente para evitar atropelar ou saltar de um assunto ao outro, as mais tímidas necessitam de estímulo para expandir a expressão. Aqui é bom enfatizar que não existe tampouco o jeito certo ou errado. O que importa é aceitar e aprender com as diferenças, expandindo os limites e ganhando em ferramentas de comunicação.

Conteúdo e forma andam juntos

Há alguns anos, os famosos cursos de oratória, por melhor intencionados que fossem, acabavam por engessar as pessoas. Supunha-se que houvesse um jeito certo e único de se expressar (de acordo com o modelo de cada instrutor), de olhar a plateia, de modular a voz, de posicionar as mãos. Alguns cursos até hoje criticam, por exemplo, os registros regionais. Ou seja, você deveria inibir seu delicioso sotaque para se expressar com neutralidade. Ora, o jeito de falar expressa a forma de ser. Seria, portanto, muito mais saudável, reconhecer nosso próprio diferencial e enfatizar, não um ponto neutro, mas aquilo que representa nossa genuína expressão. A fala ganharia em espontaneidade e originalidade.

Por outro lado, de maneira adequada, sem causar nenhum tipo de bloqueio ou retraimento, é igualmente necessário cuidar, com parcimônia e diligência, dos aspectos formais de linguagem. Um dos maiores desafios é evitar a inversão de prioridades. Antes de tudo, é necessário consciência da própria identidade e do perfil de comunicador. Isto compreende muito mais do que o uso da linguagem. É também a forma pessoal de agenciar seus recursos e de se apropriar do ato da fala como forma original de se dizer.

Não quero significar com isto que se deva reforçar ‘a gente vamos’, mas jamais inibir a expansão de si e da expressão.

Pés no chão

Li, há algum tempo, uma matéria sensacional sobre os cursos de expressão verbal que são incluídos, em algumas escolas, na grade curricular dos EUA. Ou seja, eles tem consciência de que esta formação é essencial para o desenvolvimento da criança e será um fator decisivo, quando se encontre no mercado do trabalho.

Nós, aqui no Brasil, estamos ainda em uma fase primitiva. Toca ao educador comparecer à Assembléia Legislativa, como bem o fez a Professora Amanda Gurgel, no Rio Grande do Norte, para falar dos números irrefutáveis: 930. São os dígitos do seu salário base. Indignação à parte, como esperar que nossos educadores continuem investindo em sua formação contínua?

Que, em algum momento, lhes seja reservado o lugar de honra, porque deles depende a formação das nossas crianças e dos futuros líderes deste país. Deles depende, em grande parte, a construção da oralidade e da escrita, o saber criar condições para que estas crianças desabrochem… O vir a ser… É uma missão e tanto. Nossos educadores são herois.


Casa da Comunicação 

Empresa especializada em palestras e treinamento com foco em comunicação


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