14 de nov. de 2011

Entrevista: Sérgio de Azevedo, coordenador do projeto Viva Arte Viva

Por Diego Motoda

Aos 36 anos de idade, Sérgio de Azevedo surpreende pela sua bagagem cultural. Hoje coordenador do projeto Viva Arte Viva, que há dez anos é referência em ações sócio-culturais, o diretor já fez parte do mundo das ciências exatas, cursando matemática na Universidade de São Paulo (USP). Sempre quis ser professor, então juntou esta vontade com o interesse que tinha pelo teatro, desistiu da matemática e mergulhou na carreira artística. Hoje em dia, atua na Fundação das Artes de São Caetano do Sul como diretor, produtor e professor, além de já ter trabalhador como iluminador e ter atuado em diversas peças. Prefere a direção. Já esteve a frente de espetáculos importantes como “Hugo, os imaginários e a cidade do medo” e, atualmente, “Arritmia”. Para falar sobre sua carreira, suas dificuldades, o projeto Viva Arte Viva e sobre seus trabalhos, Sérgio de Azevedo nos concedeu uma interessante entrevista que você confere a seguir.


"Teatro não é para ser igual à vida, mas sim,
algo que te incentive a pensar sobre ela"
Foto: Diego


Agência Hipertertexto: No começo da sua carreira, você teve apoio da sua família?

Azevedo: Meu pai nunca gostou. Ele achava bacana quando eu era adolescente, ir para desinibir, mas nunca como opção de profissão. Ele era da geração que achava o filho teria que ser ferramenteiro, trabalhar na montadora, assim como ele. Já minha mãe sempre dizia “Faz o que você quiser. Você gosta? Então vai lá e faz”.

Agência Hipertexto: E hoje, com a carreira já consolidada, você recebe esse incentivo da sua família?

Azevedo: Eu tenho meu carro, minha casa e vivo dessa atividade. O reconhecimento vem do resultado que esta atividade proporciona e não do trabalho artístico em si. Não faz parte da cultura deles frequentar atividades artísticas, eles só comparecem ás minhas peças por ser da família.

Agência Hipertexto: Nós sabemos que a carreira artística nem sempre é muito lucrativa. Você já passou por alguma dificuldade em sua carreira?

Azevedo: Não, nunca passei por dificuldade, mas sou caso de exceção. Por ser um profissional concursado e trabalhar em uma fundação, consigo desenvolver trabalhos como diretor, produtor e professor. Agora, se eu fosse depender especificamente do trabalho como artista, fora desse contexto de registro, certamente eu teria dificuldades. Mas também é lenda dizer que todo artista morre de fome, pois existem salários de artistas maiores do que de outros segmentos da sociedade.

Agência Hipertexto: E a que razão você atribui essa desvalorização da carreira artística?

Azevedo: Se você quer ser médico, precisa ter uma formação básica, passar por tantas horas de estágio e precisa de um órgão que regulamente a prática da profissão. Além disso, você precisa também de reconhecimento da sociedade. No teatro você não tem nada disso: nós não temos uma formação padrão, não temos um órgão que nos represente e não temos o reconhecimento da sociedade.

Agência Hipertexto: Os seus trabalhos “O capeta em Caruaru” e o mais recente “Arritmia”, são ambientados em cenários regionalistas que lembram o nordeste brasileiro. Você tem afinidade com o tema?

Azevedo: Não. Nós escolhemos ambientar a peça em um lugar pessoal, onde as pessoas não necessariamente se falam, mas se conhecem e conhecem a vida e as tragédias de cada um. Nós queríamos descontextualizar de um tempo muito recente de um grande centro urbano, onde as pessoas mal conhecem seus vizinhos de andar. Não nos preocupamos em situar uma data histórica, nem um período histórico e nem um lugar específico.

Agência Hipertexto: Você acha que o regionalismo é uma forma de valorização da cultura nacional?

Azevedo: No ponto de vista macro, o regionalismo não representa a população como todo: eu acho que a expressão cultural é muito maior do que isso.

Agência Hipertexto: Esta nova peça, Arritmia, ela é feita em um formato diferente: em duas partes. Por que essa divisão?

Azevedo: Foi uma decorrência de quando a gente optou trabalhar com quatro textos, ou seja, uma história muito longa. O motivo foi que como nós não tínhamos uma infra-estrutura adequada para dar conforto ao público durante três horas e meia; ia ficar cansativo assistir à peça.

Agência Hipertexto: E essa aproximação com o publico?

Azevedo: São vários motivos, o primeiro é a proximidade: é um ator que esta atuando de uma forma muito mais próxima de um público muito mais próximo; tem a relação de mais cumplicidade, de olhar. O segundo é que tem a parede de vidro, que traz uma relação direta com espaço da rua. Apesar de ser um ambiente poético, de construção de linguagem, ao mesmo tempo você vê a realidade logo a sua frente.

Agência Hipertexto: Os cursos da fundação das artes sempre foram voltados á formação técnica artística de seus alunos. Já o projeto Viva Arte Viva visa não somente isso, mas também o desenvolvimento social deles. Por que a mudança?

Azevedo: Isso tem a ver com a gestão de políticas públicas. Quando você pensa em pessoas que procuram por um curso de teatro, vai ter aquelas que estão interessadas em se profissionalizar e aquelas que só querem melhorar a expressividade, desenvolver a articulação da linguagem e se desinibir. Além disso, o projeto começa a propiciar mais espaço para que a pessoa se desenvolva socio-culturalmente. Ou seja, a partir de que começam no curso, as pessoas começam a se interessar mais pelo teatro e por atividades artísticas em geral. Elas começam a frequentar esses ambientes e isso faz com que elas se desenvolvam como cidadãos, independentemente se serão profissionais ou não.

Agência Hipertexto: E o que motivou vocês a atenderem também o público adulto no projeto?

Azevedo: No começo, alguns pais tinham muita dificuldade em compreender a proposta pedagógica do projeto. Eles nos questionavam muito sobre o desenvolvimento de seus filhos; alguns perguntavam “Quando meu filho vai fazer testes para comerciais” ou “Quando eu vou começar a ganhar dinheiro com a carreira profissional do meu filho”, e esse nunca foi o objetivo do projeto. Foi aí que a gente pensou: “Por que não oferecer turmas para os pais dos alunos, para que eles compreendam o teatro fazendo teatro”. Criamos o projeto e tudo tem sido muito bacana.

Agência Hipertexto: Você acha que quando pais e filhos fazem o curso de teatro, melhora a relação entre eles?

Azevedo: Sim, não vou dizer que melhora a relação, mas cria mais aproximação, cria diálogo, uma coisa que hoje não se tem mais na sociedade; cada um no seu quarto, com a sua TV, seu vídeo-game, com sua internet, com seu computador. Além disso, agente tinha uma imagem muito forte desde o começo que era: o pai vinha assistir o filho em uma apresentação; como seria inverter a relação? Como seria se, um dia, este filho viesse ver o pai em uma apresentação? E o mais legal é que hoje nós já temos uma inversão. Os pais vêm primeiro fazer o curso, gostam, para depois incentivarem os filhos a fazerem o curso também.

Agência Hipertexto: Quando Gerald Thomas desistiu do teatro, ele afirmou que a razão disso era que este não tem competitividade com novas tecnologias como o Iphone e o Ipad. Você concorda com o que ele disse?

Azevedo: Eu acredito que a relação entre artista e público seja uma relação de comunicação. Se você sabe se comunicar a partir da linguagem teatral, seja quem for a pessoa, ela vai se interessar. Claro, alguns vão ter mais dificuldades: Não conhecem o vocabulário, a dinâmica teatral ou mesmo nunca foram ao teatro; talvez sintam dificuldades em ver aquela estrutura posta, sem a possibilidade de abrir janelas e fazer várias coisas ao mesmo tempo. Mas se o espetáculo for bom, se conseguir tocar essas pessoas em algum aspecto importante enquanto cidadãos, enquanto seres humanos, elas vão gostar; mas se não for bom, elas vão achar chato e nunca mais vão voltar.

Agência Hipertexto: Você acha que essa geração tem mais a oferecer do que os famosos “tweets”?

Azevedo: Eu acho que cada geração enfrenta os seus próprios problemas, os seus próprios conflitos. O dilema dessa geração é que tudo tem que ser rápido, tudo tem que ser curto; eles não vivem o momento presente, eles não conseguem se concentrar em uma só coisa. A medida que essa geração cruzar no mercado de trabalho, na sociedade, com pessoas que pensam de outra forma, vão surgir conflitos. E desses conflitos podem resultar tanto coisas trágicas como coisas muito legais.

Agência Hipertexto: Hoje o projeto Viva Arte Viva é referência em projetos sócio-culturais. A que você deve esse reconhecimento?

Azevedo: Há uma série de coisas. A primeira delas é a autonomia: a equipe sempre teve muita liberdade para decidir o que era melhor para o programa e para os alunos. O segundo aspecto que levou a isso é que o grupo é o gestor do seu próprio projeto. Claro, a gente responde a uma série de instâncias: Secretaria da Cultura, a Fundação das Artes; fazemos prestação de contas, de atendimento e aplicação de recursos entre outros. Mas quem define o projeto pedagógico e a forma de aplicação disso é a própria equipe e sua própria prática. E o terceiro aspecto é que ele é calcado em um projeto pedagógico teatral/ artístico. Nós não buscamos referências em uma pedagogia externa. Eu acho isso muito bacana e acho que o projeto é referência por causa disso.

Agência Hipertexto: A sua peça “Hugo, os imaginários e a cidade do medo” ganhou o PROAC - na época PAC (Programa de Ação Cultural), e logo depois concorreu ao prêmio FEMSA na categoria de melhor texto. Qual foi a importância desse programa para que vocês concorressem ao prêmio?

Azevedo: Esses editais de incentivo foram fundamentais para oferecer e prover recursos que não tínhamos na época. Nos proporcionou mais infra estrutura técnica, mais profissionais envolvidos e também nos proporcionou que fizéssemos a pesquisa que já estávamos desenvolvendo. Isso tudo nos ajudou a fazer uma melhor elaboração do texto e ganhar prêmio.

Agência Hipertexto: E você acha que faltam mais programas de incentivo como este?

Azevedo: Sim, eles são escassos e parcos para a demanda que têm. Mas, eu não acho que só falta incentivo e prêmios de produção para os artistas. Não adianta investir somente em editais de prêmios de produção, se não há a formação de cidadãos que se interessem em assistir teatro. E falta também a sociedade, de fato, assumir um pacto de que a cultura é algo importante. De que não faz sentido que determinadas linhas de ônibus não circulem aos fins de semana, se são só nestes dias que eu tenho a possibilidade de ir a um evento cultural. Mas o ônibus só é pensado para me levar de casa para o trabalho e do trabalho para casa. É preciso haver mudanças na Secretaria de Transporte, de Saúde, de Educação e não só nas áreas ditas culturais.

Agência Hipertexto: Existem escolas que formam atores exclusivamente para determinadas emissoras. Você acha que essas instituições criam atores e estilos de atuação estereotipados?

Azevedo: Eu vejo muito pouco TV, e o pouco que eu vejo, percebo que às vezes você tem um estilo de atuação que pode-se dizer que é clichê, estereotipado ou superficial. Mas, eu não acho que isso seja um problema do veiculo, é um problema do sistema no qual ele está inserido. Além disso, há um desinteresse por quem quer fazer TV de ter formação. Se eu posso fazer um curso de um, um ano e meio, me profissionalizar na área, tirar meu DRT e já começar a fazer um teste atrás do outro até conseguir um comercial ou uma novela, quanto mais rápido melhor. Ou seja, as pessoas não estão mais interessadas em formação; elas estão interessadas em rápida inserção.

Agência Hipertexto: Só para finalizar, o que o teatro é para você?

Azevedo: Vou usar uma frase que eu adoro usar toda vez que me perguntam isso. Não é uma frase minha, mas é de alguém que eu gosto muito, que é o Peter Brooke: “teatro é a vida com a frouxidão removida”. Para mim, o teatro é isso. É querer ser alguém além da realidade. Porque teatro não é para ser igual à vida, mas sim, algo que te incentive a pensar sobre ela.

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