Por Maris Landim e Raphael Rufino
Artista plástico formado pela FAAP, Fernando Gomes estreou em 1986 no programa Bambalalão da TV Cultura e desde então faz parte do núcleo infanto-juvenil da emissora. Criou e confeccionou bonecos para diversos programas premiados de televisão, como o próprio Bambalalão, X - Tudo, Cocoricó, Agente G e Qual é, Bicho? Desenvolveu bonecos para campanhas publicitárias como Brad Pig da Seara, os Bichos da Ford entre outros. Em 1997 passou a dirigir programas de TV como Agente G, Ilha Rá-Tim-Bum e Qual é, Bicho? Desde 2003 dirige a atual temporada do Cocoricó. Além de manipular o boneco Júlio em Cocoricó, fez parte da nova versão brasileira do programa Vila Sésamo produzida pela TV Cultura, quando deu vida a Garibaldo. Nesta entrevista, ele conta como iniciou sua carreira, quais seus projetos e as dificuldades sobre a atual programação destinada ao público infantil.
"Eu trabalho fazendo o que gosto, e o que faço é brincar de boneco. Eu ganho a vida brincando" Foto: Maris Landim |
Agência Hipertexto: Como a manipulação de bonecos começou a fazer parte da sua vida?
Gomes: Eu me encantei com um programa infantil chamado Bambalalão apresentado na TV Cultura. O programa não era para o meu público e, no entanto, eu me apaixonei porque dentro desse programa havia teatros de bonecos. Gostei e passei a gravar só o trechinho dos bonecos no programa. Aqueles bonecos tinham um tipo de interpretação muito parecido com um programa americano chamado Muppets. Eu sempre tive habilidade manual, sempre trabalhei bem com artes plásticas. Trabalhava como ator amador, então resolvi fazer o primeiro boneco. Levei cinco meses para fazê-lo. Fui ao teatro assistir a um espetáculo infantil e na platéia eu escutava atrás de mim uma voz familiar e ai me caiu à ficha: era Memélia de Carvalho, uma das manipuladoras de bonecos do Bambalalão. Eu disse: “Memélia, puxa, eu adoro o Bambalalão. Adoro os bonecos”. Contei do boneco que tinha feito e ela falou: “Quero ver o boneco”. Marcamos um dia e eu o levei para ela ver. Ela adorou e pediu para o colocar no ar. Ele entrou no programa no dia seguinte e no mesmo dia algumas pessoas do elenco me procuraram. “Você faz bonecos? Eu quero que você faça um boneco para mim”. Eles eram meus ídolos e eu não era um profissional. Eu não sabia fazer e nessa brincadeira, eu comecei a tentar fazer para um, para outro e em pouquíssimo tempo, a diretora do programa me procurou dizendo que uma atriz do elenco iria tirar uma licença de uma semana e tinha me indicado para substitui–lá. Fui fazer o programa, comecei a manipular um boneco meu ao vivo e pronto! Foi assim que eu cai na história e estou até hoje, vinte e cinco anos de TV Cultura fazendo programação infantil, principalmente trabalho com bonecos.
Agência Hipertexto: De onde você tira referências para a criação de bonecos?
Gomes: Minhas primeiras grandes referências, sem dúvida alguma, são os bonecos criados pelo Jim Henson dos Muppets e o Chiquinho Brandão, que manipulava os bonecos do Bambalalão. Outras grandes referências são as do dia-a-dia. Estou sempre atento a coisas que eu vejo, achando que um dia podem virar um personagem.
Agência Hipertexto: Algum personagem já teve características suas ou a personalidade?
Gomes: O primeiro boneco que eu fiz no Bambalalão, era negro. O nome dele, Beleléu era em homenagem a uma música do Itamar Assunção. Eu sou carioca, nasci no Rio, sou flamenguista e o Beleléu era carioca, flamenguista doente. Ele ia com bandeira, comemorava. Quero dizer, o personagem tem sempre um pouquinho da gente e você mesmo se permite isso, mais ou menos, e como lá era um programa ao vivo, eu me permiti muito.
Agência Hipertexto: Existe alguma característica ou semelhança entre os bonecos da época do Bambalalão e os de hoje?
Gomes: Existem diferenças e semelhanças. Eu acho que as maiores estão na técnica. Se estou criando um programa ou tenho voz ativa dentro dele, prefiro um boneco que você deixa ele alegre ou triste com ponta de dedo, que você pisque o olho dele, do que com rádio controle feito externamente. Muitas vezes sou chamado para fazer trabalhos para publicidade e dizem: “quero o que tem de mais moderno”. É tão caro e, às vezes, tão questionável o quanto expressivo ele é. Prefiro um boneco muito bem manipulado por um bom manipulador expressivo que um boneco com altos efeitos tecnológicos.
Agência Hipertexto: Você tem algum personagem preferido?
Gomes: É engraçado isso, tem aquela história de qual dos seus filhos você gosta mais? E todo mundo fica em cima do muro. Tenho alguns que gosto muito. Claro que o Júlio, óbvio que se eu não tivesse esse envolvimento tão grande com o Júlio, provavelmente ele não existiria mais, porque talvez eu não conseguisse passar tanta verdade no boneco. O Júlio, sem dúvida. Eu adorava fazer também o X do X tudo e o Mestre Iodo, um personagem no Agente G.
Agência Hipertexto: A presença de bonecos em nossa televisão é grande, alguns dirigidos ao público adulto. Como explicar esse fascínio que eles causam em pessoas de todas as idades?
Gomes: Tenho uma teoria. Eu acho que para o adulto é um retornar a infância. Já a criança gosta de boneco de modo geral, o boneco é muito próximo da realidade dela. Uma criança, em situação normal, é bem possível que ela pegue um apontador e faça um cachorro. A cabeça viaja e libera tudo. Um adulto pode ficar muito constrangido de conversar com um boneco de espuma ou pode falar “gente tem tanta vida”. A pessoa se entrega, ri e brinca, é um retorno a sua infância quando você se permitia fazer isso. Existe sim esse fascínio, eu acho que o boneco ainda é mal explorado para o público adulto. Aposto que dá certo, tenho certeza que tem mercado para isso.
Agência Hipertexto: O improviso está presente na hora de contar histórias?
Gomes: Por mais que tenhamos um texto a seguir, muitas vezes, dentro do estúdio, acontece algo que é legal, e a gente encaixa no programa. Outra coisa que eu gosto é que fazer o som ao vivo nos permite um tempo de piada ou de ação que na gravação não teria. O Bambalalão tinha alguns quadros que duravam em média quatro minutos cada. Nenhum tinha texto, então tinha coisa muito ruim e coisa muito boa. Exatamente por causa do improviso.
Agência Hipertexto: Seus bonecos divertem assim como ensinam. Para você até onde vai o seu papel na formação da criançada?
Gomes: O meu objetivo no Cocoricó é meu objetivo na TV Cultura. Hoje eu sou responsável pelo departamento infanto-juvenil e tenho essa filosofia para todos os programas. Aprendi aqui e só estou dando continuidade, não cabe à televisão educar, ensinar e dar aula. Também acho que não cabe à gente deseducar e fazer todo o processo contrário. Televisão é entretenimento. Para mim, televisão é diversão, seja a pessoa adulta, seja criança, tem que sentar na frente da televisão para passar o seu tempo. Agora por que não a diversão com conteúdo? Por que não assistir um programa no qual ali atrás, estamos tentando passar coisas legais? Eu brigo muito para que a gente não fique ditando regras: “isso é feio, isso não se faz”. Buscamos não ter isso no pro-grama. A informação, o conteúdo, está solto dentro da história. Eu aposto no entretenimento com conteúdo.
"A audiência não é necessariamente coisa boa" Foto: Maris Ladi |
Agência Hipertexto: A partir de 1997, você passou a atuar como diretor de programas infantis, essa experiência te deu mais liberdade para trabalhar como manipulador?
Gomes: Trabalhando como manipulador eu tinha sonhos e ideais, acreditava que era possível fazer algumas coisas com bonecos que não conseguia realizar porque obedecia ao que o diretor pedia para fazer. Quando passei a dirigir o programa, comecei a lutar pelo que eu acredito e o Cocoricó é o melhor exemplo disso. E sim, me deu muito mais liberdade, eu realizo sonhos. Um exemplo bem simples, num clipe no qual o manipu¬lador de bonecos, o boneco e o cine¬grafista tão submersos dentro d’água gravando um quadro onde o boneco está soltando bolinhas pela boca. Nós realizamos. Então eu tenho espaço para ousar e tentar realizar sonhos, só pude fazer tudo isso dirigindo.
Agência Hipertexto: A influência que a mídia exerce sobre as crianças é muito grande. E existe também a questão dos desenhos que hoje são muito violentos. Qual sua opinião sobre isso?
Gomes: Eu lamento que a escolha do que você vai oferecer para as crianças seja uma escolha primeiro comercial e, em segundo lugar, baseada em audiência. Audiência não é necessariamente coisa boa. Nós aqui ficamos no lado poético, tentando fazer coisas que acreditamos que sejam boas para crianças e para a infância, mas a concorrência é muito desleal, é bem mais fácil dar certo um desenho violento em relação à audiência que outro com conteúdo pedagógico. Lutamos contra, nadamos contra a maré.
Agência Hipertexto: Qual o ingrediente para o sucesso dos programas infantis da TV Cultura?
Gomes: O sucesso da Cultura poderia ser maior. Sempre buscamos fazer coisas boas, mas nós competimos com os desenhos violentos. É difícil o público entender que fazemos o mais legal e trazê-los para cá. A credibilidade que a Cultura atingiu com programação infantil no decorrer de muitos anos é o nosso grande ponto a favor. É muito comum ouvir um pai dizer que tem total segurança para colocar seu filho assistindo TV Cultura quando está saindo. Isso é credibilidade, temos que manter o padrão e alimentar essa credibilidade, para que haja mais visibilidade.
Agência Hipertexto: Como transformar as crianças em bons adultos?
Gomes: Fornecendo um cardápio cultural saudável, vamos aproveitar a formação dessa criança para implantar o máximo de informações importantes para o futuro dela. Essa é a aposta da TV Cultura.
Agência Hipertexto: Como é ser uma pessoa tão importante para os programas infantis, mas ser praticamente desconhecido para o público, já que seu trabalho é feito com bonecos?
Gomes: O fato de não ser conhecido para mim é muito legal, é uma brincadeira de “super-homem, Clark Kent”. Fui gravar no Museu do Ipiranga, cheguei lá e tinha uma visita técnica de escola, eu andei no meio das crianças e ninguém me conhecia. Isso seria impossível se eu fosse a Xuxa. É uma ou outra pessoa que descobre. Eu lido muito bem com isso, gosto da idéia de não ser uma pessoa pública, acho isso muito bom.
Agência Hipertexto: Qual o futuro da programação infantil brasileira?
"As produções vêm diminuindo" Foto: Maris Landim |
Gomes: Preocupante. As produções destinadas ao público infantil vêm diminuindo cada vez mais e praticamente já acabaram. Ou isso muda de alguma maneira radical ou então o futuro é não tê-las. As TVs são concessões do governo, elas só existem porque ele permite. Eu acho que o governo deveria obrigar todas as emissoras a produzirem pro¬gramação infantil das oito às onze da manhã, produção local, inclusive para gerar mais empregos.
Agência Hipertexto: Como foi trabalhar em programas de extremo sucesso como X Tudo, Castelo Ra-Tim-Bum e Trapalhões?
Gomes: Um presente. Eu trabalho fazendo o que gosto e o que eu faço é brincar de boneco. Eu ganho a vida brincando. Conhecer o Muçum em vida para mim foi muito emocionante. Há pouco tempo quando fiz Vila Sésamo, fui para Nova York e tive a honra de viver um sonho, conheci alguns dos meus ídolos manipuladores do Muppets. Nunca achei que fosse possível e me vi no estúdio junto com eles, sendo tratado igualmente. Só tenho a agradecer e continuar com isso.
Agência Hipertexto: Como foi conquistar a vaga para fazer o Garibaldo, na nova versão do Vila Sésamo?
Gomes: Foi dificílimo. Existia a intenção de renovarem profissionais, eu quis fazer, e passei no teste. Foi uma vitória pessoal e muito prazerosa. Tudo que tenho, devo ao Vila Sésamo. Tive a honra de dar vida a algo que o Laerte Morrone fez aqui no Brasil de uma maneira genial. Eu jamais chegaria à genialidade dele, mas tento segurar o personagem com o mesmo respeito e dar continuidade.
1 comentários:
Admiro muito ele.
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