Por: Fernando Souza
Seu João Batista é uma pessoa comum, como qualquer outra, com seus 59 anos de idade. Isso se não fosse, sua postura diante da vida, um tanto incomum.
Pedreiro de profissão, casado e pai. Pregador da palavra de Deus, por consideração própria.
Conheci seu João na rua, há alguns anos. Sempre pregando a “Palavra do Senhor”, como o próprio defende. Sempre achei interessante e até engraçado, mas nunca mantive contato próximo. Aliás, muitas pessoas o conhecem de vista e o respeitam bastante.
Em sua atividade de divulgar o evangelho, seu João é único.
Durante os sete dias da semana, sempre no começo da noite, seu João sai de casa, no bairro da Vila Industrial, zona leste de São Paulo, ora com seus “irmãos” ora sozinho.
De bicicleta, modelo barra forte da marca Monark, equipada com um microfone, alto-falante e uma bateria adaptada, ele inicia sua via sacra pelos bairros próximos da igreja.
Em bares, casas, carros ou no ouvido de quem passa pelas ruas, ecoa a voz. De um sujeito muito elegante e educado, usando terno e gravata. Montado em sua barra forte garupeira. Seu João recita versos da bíblia e palavras que, segundo ele, é Jesus quem elabora e o utiliza como instrumento.
Às vezes acompanhado de um rapaz também vestido com terno e em cima de outra bicicleta equipada, desperta reações das mais variadas possíveis. Imaginem um sujeito de traje social, de bicicleta, com um alto falante na garupa, e o microfone à la “Silvio Santos”, preso no pescoço, louvando (como diz seu João) pelas ruas.
Alguns respeitam e gostam, outros riem. Tem quem até se assuste, de acordo com o pregador. “Outro dia estava passando em frente a um ponto de ônibus e parei para descansar um pouco. Uma moça que estava no ponto se afastou e ficou com cara de assustada. Olhei para ela e disse no microfone: “-Irmã, não precisa ficar assustada não, eu venho com Jesus em paz, é o “taco” (força que usa ao falar) da voz que é assim mesmo”, disse.
Foi com certo sorriso no rosto que Seu João me contou essa história, ao me receber na igreja que frequenta perto de sua casa.
Algumas dessas histórias, eu mesmo observei acompanhando suas andanças pelo bairro. Certo dia, seu João estava com a bicicleta em frente a um bar, cheio de jovens bebendo e rindo de suas palavras e seu “jeitão” de líder religioso.
Resolveu então falar com eles. Sempre ao microfone, assim é possível ouvir a metros de distância. Quem apenas o ouve pensa que ele está falando sozinho. “O dia do acerto de contas está chegando. Quero ver quem vai se acertar com Jesus”, pregou. Ao fundo era possível ouvir seu acompanhante e irmão de igreja também de bicicleta com som, aos gritos: “Aleluia, Aleluia, Aleluia!”
Os rapazes respondiam oferecendo um copo de cerveja para ele e seu parceiro. Quem passava olhava com cara de surpresa ou ria.
Seu João dizia, “-Não bebo cachaça, não faço as vontades da carne, não me junto ao capeta!”, enquanto ao fundo se ouvia: “Aleluia! Aleluia!”
De repente, começa a passar por perto uma moça muito bonita, com um corpo de belas curvas, que sempre passa na frente do bar naquele horário.
Um dos rapazes gritou para seu João: “Irmão, aquela moça ali está perturbada pelo demônio”.
Nesse momento, seu João olha e se dirige com palavras ditas ao microfone em alto e bom som: “-Ei! Venha irmã venha aceitar Jesus! É você mesmo moça!”
A moça ficou “roxa” e de vergonha, com um som sendo ouvido a quarteirões de distância e um monte de pessoas rindo em volta.
Entre uma história e outra, sendo contada por seu João, existem também casos não tão engraçados.
“Tem pessoas que não gostam, muitas me xingam e fazem cara feia. Já sofri agressões. Uma vez, um homem se aproximou com um facão, cortou os pneus da bicicleta e quebrou o alto falante. Tivemos um baita prejuízo, mas para a obra de Deus não existem obstáculos”, lamentou.
Quem vê seu João trabalhando como pedreiro, e não o conhece, nem imagina a sua coragem e determinação.
Aos que presenciam seu trabalho pelas ruas, acredito que não imaginam que ele é na maior parte do tempo, uma pessoa comum, que tem família, trabalho e amigos. Ele não sofre de nenhum distúrbio mental ou coisa do tipo, como alguns pensam. E como, por muito tempo, eu também pensei.
Seu João é um cidadão simples, sorriso fácil e receptivo. Isso quando não está pregando, porque quando está a serviço de Jesus, não poupa a voz e dispõe do seu melhor figurino.
Vendo as pessoas olharem para seu João, percebe-se o quanto tentamos definir as pessoas pelas aparências, e, muitas vezes, enquadrá-las segundo as nossas concepções quase sempre de maneiras maniqueístas.
Talvez tenhamos um pouco de Seu João e Seu João um pouco de todos nós.
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